Da janela da cobertura
Ao longe vejo indignada
Sobre os morros avançar
Essas repugnantes habitações
Onde se entocam os mais deprimentes seres
Vadios, criminosos, desumanos
Protegidos por incapazes ignorantes
Que sem ocupação e dignidade
De dia invadem o asfalto para a vida nos atentar
E as ruas com sua mendicância enfeiar.
Mas logo isso há de acabar
Pois na Barra irei morar
E com essas paisagens
Meu horizonte não precisarei mais compartilhar.
Da janela do conjugado vejo
Inúmeras outras janelas
Dos apartamentos de anônimos
Que de vez em quando me ponho a observar.
Os idosos com semblantes nostálgicos
Tentam me cumprimentar
Respondo o aceno e desvio o olhar
E lá está a me mostrar o dedo
O adolescente sem juízo
Que logo começa a me xingar
Respondo da mesma forma o aceno
E me ponho a outra janela olhar
Então percebo que o tarado do 800
Novamente a vizinha tenta espiar
Ele se esquiva com o barulho que ouve
Ao lado, as crianças pela janela
O gato tentam do prédio lançar.
Já me cansei e pro meu pc eu vou retornar
Que mais tarde eu irei ao shopping
Pra depois no bar as minhas mágoas afogar.
Da janela do barraco
Vejo ao horizonte os edifícios
Repletos de bacanas,
Alguns doutores e letrados.
Que tão soberbos de sua suposta inteligência
Parecem ignorar nossa humanidade
Apesar de constantemente
Insistirem em afirmar
A necessidade de políticas de inclusão
Mas o que se vê realizar
São mais vagas pros seus filhos ocuparem
E incluem mais um ente ou um dependente
Nas folhas de pagamento do governo
Enquanto meu contra-cheque procura me gritar
Que este mês a faculdade do filho
Não vai dar pra ajudar a pagar.
Mas esticando o pescoço posso avistar
Um pedaço do mar que parece indicar
Que esse momento difícil há de passar
Mas agora a janela vou ter que fechar
Que o tiroteio começou a rolar.
Até quando polícia e traficante nos hão de perturbar?
Da janela do trem
Vejo as mesmas paisagens todos os dias
Das construções que as costas dão
A esta condução que de longe traz
Centenas de mulheres e homens sãos
Que se espremem sufocados no vagão
E se desprendem para onde for
Contanto que possível seja batalhar o pão
E quem sabe um dia
Um maior conforto conquistar
Para prover os filhos e o lar.
Da janela do ônibus
Vejo as ruas e os estabelecimentos
Passarem como uma projeção repetida
Preocupada com o motorista
Que desvairado corre na pista.
À frente observo um passageiro suspeito
Que avalia nervoso a todos os demais.
Se a mão na cintura ele colocar
Juro que desço em qualquer lugar
Mês passado meu pagamento levaram
Neste, essa falta não vai da pra aturar.
Da janela do metrô
Vejo o reflexo do meu rosto
E o semblante dos demais passageiros
Que a escuridão do túnel ressalta.
Diversidades de tipos e estilos
Dividem por alguns minutos o mesmo espaço
Mudos, sisudos, absortos
Se esforçam para não encarar o olhar dos demais
Na janela que nenhuma paisagem tem pra mostrar.
Como num espelho volto a me olhar
E o reflexo apenas me indica
que no cabeleireiro sem falta vou ter que passar.
Da janela do carro
Vejo outros carros, motos e ônibus
Que seguem apressados
Irritado mais uma parada faço
Sinal vermelho, sinal de chatice
Mais uns moleques
A paciência me fazem gastar
E logo começo a gritar
Meu vidro não precisa lavar
Não adianta malabarismo fazer
Que a cola de vocês
Patrocínio meu é que não vai receber
Na escola é que vocês deveriam estar
Não me importa quem deveria lhes enviar
Eu é que não tenho que pagar o pato
Pois o meu imposto já está pago.